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Agressão a médicos: uma realidade preocupante

Profissionais confirmam serem vítimas de ataques físicos e verbais principalmente no sistema público. Violência impacta na rotina de trabalho e no emocional

 

A agressão contra os profissionais de saúde está cada dia mais em destaque no noticiário. Em Santa Catarina ainda não há estudos sobre esse tema, mas relatos frequentes são feitos ao SIMESC sobre situações de risco às quais os médicos estão expostos, principalmente no ambiente da saúde pública.

Em 2016, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CRM-SP) divulgou pesquisa realizada pelo DataFolha que apresenta a percepção da violência na relação médico-paciente. Foram ouvidos 617 médicos e 807 cidadãos entre setembro e outubro daquele ano tanto na Capital quanto no interior.

O resultado da pesquisa dos dois grupos de entrevistados converge para uma unanimidade: a sobrecarga do sistema público de saúde, as más condições de atendimento, a falta de médicos, medicamentos, equipamentos, leitos e insumos são os elementos que formam a combustão da violência.

A pesquisa apresenta também que 47% dos médicos entrevistados tiveram conhecimento de episódios de violência com algum colega; 17% sofreram violência e tiveram conhecimento de agressões a colegas de profissão, sendo a maioria médicos jovens (78% de 24 a 34 anos), e mulheres (8%) mais que homens (3%); 5% relataram terem sido agredidos pessoalmente; desses, 20% sofreram agressão física; em 70% desses casos a agressão foi praticada pelo paciente; 84% dos que sofreram agressão alegam terem sido atacados verbalmente, 80% sofreram agressão psicológica; 60% alegam que os problemas geralmente acontecem durante a consulta; 32% dos médicos relataram que episódios de violência acontecem sempre ou quase sempre; 85% dos profissionais têm a percepção de que os episódios ocorram mais no SUS.

Do outro lado, os pacientes confirmam os problemas no sistema: 34% dos cidadãos entrevistados afirmam ter passado por alguma situação de estresse no atendimento à saúde em um ano; 10% destes relatam ter tomado alguma atitude, como reclamar da qualidade do atendimento médico (6%); reclamar do atendimento na recepção (3%); etc; entre os que disseram que tiveram um momento de estresse, são poucos os que afirmaram ter praticado agressão verbal; 35% afirmaram que presenciaram este tipo de agressão, 14% presenciaram ameaças psicológicas e 4%, agressões físicas; 24% relatam que o estresse ocorre na recepção do local de atendimento; 9% em procedimentos médicos; 5% na espera pelo atendimento.

Um dado importante da pesquisa aplicada aos pacientes é que os que se consideram agressores afirmam que praticaram a violência incentivados pelo comportamento do médico (falta de educação, ironia, desrespeito, falta de atenção para ouvir o problema, prescrição equivocada e demora no atendimento). Para os médicos, a violência é incentivada pela falta de satisfação com a saúde pública, a demora no atendimento, a falta de estrutura e suporte para o atendimento. Dos médicos, 5% admitem que os episódios de violência são registrados em consequência do comportamento dos colegas.

Para o vice-presidente SIMESC, Leopoldo Back, esta é mais uma situação que envolve o trabalho médico que preocupa a entidade. “Há várias causas, algumas diretamente relacionadas à atividade, como a notória precariedade de recursos, meios e instalações, superlotação, falta de insumos e medicamentos, lentidão e precariedade do sistema, entre outros. Mas há outras de âmbito mais geral, que também afetam os professores, por exemplo - a falta de educação, respeito, civilidade e disciplina que grassa entre a população brasileira, principalmente entre os mais jovens. E, finalmente, um culpado que provocou tudo isto, o governo que nos elegeu como inimigos preferenciais. Temos que denunciar as agressões e combater este problema sério e angustiante para quem a ele está sujeito, ou seja, todos nós”, declara.

 

Trauma e tratamento após agressão

 

Era um plantão noturno na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) no norte de Florianópolis há alguns anos. Muitos pacientes. Equipe reduzida e por consequência, demora no atendimento. A situação estava sob controle até que uma paciente dependente química voltou em busca de morfina e teve o pedido negado. A negativa foi o suficiente para que a filha da paciente partisse para cima da médica, a jogasse no chão e a agredisse com socos e pontapés. A profissional, que terá o nome preservado, diz que “teve sorte” pelo rosto não ter sido atingido, mas as marcas pelo corpo e o trauma psicológico permaneceram por muito tempo.

“Eu fiquei chocada. Senti-me humilhada e levei muitos meses para me recuperar. Tive que procurar tratamento psicológico e por dias atendi os pacientes com a porta do consultório aberta para reconquistar a confiança”, conta a profissional que destaca que não recebeu nenhum tipo de amparo da secretaria municipal de Saúde.

O fato ocorreu em 2010 e hoje a médica, por opção, trabalha em um posto de saúde da Capital, local que considera mais controlado. Segundo ela, a falta de estrutura da UPA e os problemas sociais acabam influenciando na violência. “Agressões verbais perdi as contas de quantas eu e outros colegas sofremos. O paciente muitas vezes não consegue compreender que a resolução do problema não depende somente do médico. Nós procuramos ajudar, encaminhar, mas para causas sociais, nós médicos, ainda não temos a receita. É uma questão muito mais ampla”, declara.  

Para o presidente do SIMESC, Vânio Cardoso Lisboa, a exposição à agressão é mais ampla. “Estamos destacando a situação do médico, mas não podemos ignorar os relatos de violência que iniciam antes do paciente chegar ao consultório, do uso do aparelho do Estado por bandidos de maneira intimidadora e os inúmeros casos de servidores da saúde afastados do trabalho para tratarem os traumas sofridos pela violência durante o trabalho”, aponta.

 

 

Educação sobre o sistema pode ser uma saída

 

O 1º tesoureiro do SIMESC, Fábio Schneider, que vivencia diariamente a tensa realidade dos médicos que trabalham na saúde pública, principalmente com atendimentos de emergência, e que por várias vezes foi agredido verbalmente por pacientes, elenca alguns pontos que podem auxiliar na solução do problema. Segundo ele, segurança policial, triagens mais eficazes, trabalho educacional e explicativo de que lugar o paciente deve procurar para seu atendimento, separação de sala de espera e dos consultórios e melhores condições de trabalho, e remuneração são alguns deles. “A melhor remuneração atrairia mais profissionais e desta forma, o atendimento não demoraria tanto. Esta é uma queixa recorrente dos pacientes: a longa espera. E quem procura o serviço sempre avalia que seu caso é mais grave do que os outros e quer uma solução imediata”, declara.

O caso mais recente de violência em unidade de saúde foi verificado em Florianópolis no final de novembro, quando um paciente transtornado com a informação de que não teria médico para atendê-lo, quebrou macas e objetos na UPA Norte. O homem, que estava em crise de ansiedade, além de causar danos materiais, ameaçou os funcionários. "Com a redução do valor da hora plantão, as lacunas nas escalas são frequentes. A valorização dos profissionais é essencial para melhorar os atendimentos nas unidades de saúde e consequentemente, reduzir drasticamente este tipo de situação", acrescenta Fábio.

 

Projeto de Lei pede punição aos agressores

 

Na Câmara federal, em Brasília, tramita o Projeto de Lei (PL 7269/2017) de autoria do deputado federal Sinval Malheiros que tem como objetivo qualificar a conduta de agressão contra profissionais de saúde, como forma de coibir o delito e reduzir o número de casos registrados em todo o país. O Projeto de Lei acrescenta o parágrafo 13 ao artigo 129 do Decreto Lei 2.848/1940 (Código Penal).

“A violência contra médicos e demais profissionais ligados ao setor (enfermeiras, fisioterapeutas, psicólogos, farmacêuticos, odontólogos, técnicos de enfermagem etc.) vem aumentando de forma assustadora. Esta é a realidade em todas as unidades da Federação. Em algumas cidades é regra a violência contra os profissionais de saúde”, afirma o deputado Sinval, que é médico.

O Projeto de Lei sugere a seguinte redação ao parágrafo 13: Se a lesão for praticada contra profissionais ligados à área de atenção à saúde, ainda que fora do ambiente de trabalho, mas em virtude da condição da vítima como profissional da área: Pena – reclusão, de um a cinco anos. No caso de lesão praticada por menor de 18 anos, deverão ser aplicadas as penas estabelecidas no artigo 112, IV a VI, da Lei nº 8.069/1990 (que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente), conforme a gravidade do delito”.

“A agressão a médicos em seu ambiente de trabalho ou decorrente do exercício da profissão é uma das grandes preocupações atuais da Federação Médica Brasileira (FMB). Assim que o relator for designado será procurado pelas entidades médicas nacionais para manifestar a posição e pedir pela sua aprovação”, declara o presidente da FMB, Waldir Araújo Cardoso.

Vânio Lisboa reforça que o panorama é grave e que os profissionais da saúde “merecem respeito e segurança. Estamos na linha de frente, recebendo os ataques sem sermos os responsáveis pela situação”, destaca o presidente do SIMESC ao lembrar do episódio do médico que foi sequestrado para atender um traficante baleado no Rio de Janeiro. “Esses episódios são inaceitáveis. E é sabido que o Estado não dá aos profissionais a condição ideal de retorno às atividades após essa vivência dramática. É uma situação gravíssima e com sequelas muitas vezes irreversíveis para os médicos. Muitos não conseguem retomar a atividade, a vaga fica aberta, não há profissional para a reposição e iniciamos o ciclo de problemas de atendimento”, destaca.

O presidente do Sindicato conta que os médicos ficam com medo de sair de casa, de ter vida social e principalmente, têm medo de retomar a rotina. “Há locais onde os médicos não querem mais trabalhar por causa da violência promovida por criminosos. Temos um relato em Porto Alegre (RS) de que em julho de 2017, um posto de saúde foi fechado devido às condições de segurança do bairro. É um problema complexo e de resolução demorada”, aponta.

Em 2017, o SIMESC manifestou preocupação em relação aos médicos do Instituto Geral de Perícias (IGP). O prédio na Capital foi alvo de ação intimidatória de bandidos. “Alvejaram o prédio em represália ao Estado, ignorando totalmente que a estrutura abrigava profissionais de várias áreas naquele momento. Pedimos providências no reforço da segurança, mas temos plena consciência da morosidade do serviço público e de que as soluções demoram a aparecer, porque os problemas são inúmeros e a máquina é lenta”, acrescenta Vânio.

O presidente do SIMESC afirma que os usuários de planos de saúde integram a lista dos agressores. “A violência, que pode ser reflexo da indignação somada à falta de paciência, nos parece cada vez maior. No caso da medicina, além do sistema público, a rotina dos consultórios também tem sido afetada por essa situação quando o paciente de plano de saúde entende que pode ter acesso a serviços que muitas vezes precisam de autorização para serem realizados. É um grande transtorno que não raro, vira agressão”, destaca.

 

 

O que o médico deve fazer em caso de agressão?

 

A assessora jurídica do SIMESC, Vanessa de Almeida, orienta como os médicos devem agir em casos de agressão:

- o risco de agressão ou a própria agressão deve sempre ser reportada, inicialmente em Boletim de Ocorrência - podendo ou não representar o agressor. Caso represente, iniciará um processo criminal contra o mesmo e se optar pela não representação será apenas o registro para estatísticas.

- em caso de ameaça, o médico deve solicitar a presença de proteção policial - não só a Militar, mas da Guarda Municipal também, que têm competência para garantir a segurança do atendimento médico no âmbito municipal, quando o município dispõe desse serviço.  

- o médico deve comunicar aos diretores clínicos e técnicos sobre o ocorrido, para que os mesmos tomem a providência de garantia de segurança no local de trabalho de forma permanente, com solicitações às secretarias de Saúde e à Promotoria de Justiça.

- se for necessário o fechamento da unidade, o médico deve solicitar a presença do diretor técnico para este fazer o fechamento do local, com aviso na porta informando o endereço para onde os pacientes devem ir em busca de atendimento. É necessário fazer o aviso aos serviços móveis que levam o paciente para a unidade. Caso seja posto de saúde, em que não há recebimento de paciente por serviço móvel, não é preciso avisar.

- os comunicados à secretaria de Saúde, ao Ministério Público e ao Conselho Regional de Medicina devem ser realizados pelos diretores técnico e clínico.

- aos diretores de unidades de saúde, quando receberem um chamado de um plantonista, a inércia pode configurar uma infração ética. Dessa forma é dever dos mesmos atenderem às devidas solicitações de proteção e também suspender o atendimento externo.

 - antes de conversar com a imprensa, o médico deve ter o cuidado de preservar sua imagem e sua segurança, buscando no SIMESC a orientação de como proceder caso o fato se torne público, e precise ser gerenciado pela Assessoria de Comunicação e Imprensa do Sindicato.

 

A assessoria jurídica do SIMESC esta à disposição para mais informações. Em caso de emergência o médico filiado pode acionar o Plantão Jurídico 24 horas, pelo telefone (48) 99621 8626.


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